A Lei 4.771/1965 – autointitulada Código Florestal brasileiro -  veicula normas jurídicas de caráter geral que se destinam à  regulamentação, de modo imediato, do uso e preservação dos recursos  naturais brasileiros, bens estes que, diferentemente do que se fez  constar no próprio texto da lei (artigo 1º, caput), não  pertencem tão somente àqueles que habitam o país, mas a toda humanidade.  Por via reflexa, ou mediatamente, o Código Florestal estabelece limites  à exploração da propriedade - seja ela pública ou privada, localizada  em meio urbano ou incrustada em zona rural -, impondo, de modo  significativo, bons contornos ao polissignificativo vocábulo “função  social”, hoje expressamente consignado em nossa Constituição Federal  (artigo 5º, XXIII).
Mas fato é que, durante o longo percurso temporal que se encontra  delimitado pela data de sua promulgação e os dias atuais, os conceitos  de “utilização adequada dos recursos naturais” e de “preservação do meio  ambiente” alteraram-se sobremaneira, geralmente incorporando maiores  graus de austeridade a cada reforma implantada. E tal fenômeno não é  estranho à doutrina jurídica, pois aos chamados direitos fundamentais,  categoria normativa da qual os retrocitados direitos fazem parte, é  típico e natural que seus limites se alterem, acompanhando, de modo mais  ou menos próximo, aos anseios da sociedade que os titulariza. No caso  do meio ambiente, a ideia de seu uso sustentável tornou-se um padrão do  qual não se pode fugir. Mas a evolução sempre traz novos desafios.
Durante o período que antecedeu o Código Florestal, e mesmo após o  início de sua vigência, incontáveis intervenções no meio ambiente, que  hoje seriam consideradas irregulares – mormente nas chamadas Áreas de  Preservação Permanente (APP) -, foram licitamente promovidas, por  particulares e por entes públicos, encontrando-se dentre estas inúmeros  exemplos, tais como a abertura de rodovias, a edificação de hospitais,  hotéis, atividades agropecuárias, construções residenciais/comerciais/ industriais,  exploração mineral e outras tantas interferências que, em primeira  análise, deveriam ser cessadas face ao novo espírito encampado por nosso  sistema jurídico. Contudo, uma análise mais profunda pode demonstrar  que a vontade contida em nosso ordenamento não é exatamente esta.
O Código Florestal institui as chamadas APPs, definidas como  espaços cobertos ou não por vegetação nativa, com função ambiental de  preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade  geológica, da biodiversidade, do fluxo gênico de fauna e flora, de  proteção do solo e de garantia do bem-estar das populações humanas,  encontrando-se nessa situação, por exemplo, as matas ciliares (artigo  2º) ao longo dos rios ou quaisquer cursos d’água; as nascentes; os topos  de montanhas; encostas com declividade superior a 45º; áreas de  restinga; as florestas e algumas formas de vegetação natural (artigo  3º).
Mas a proteção especial conferida às APPs, como não poderia ser  diferente (vide Teoria dos Direitos Fundamentais, por Robert Alexy),  comporta exceções, muitas delas previstas na própria lei; outras,  advindas da interpretação sistemática da Constituição Federal.
As modalidades mais conhecidas são aquelas constantes do caput  dos artigos 3º e 4º, onde se prevê, para o primeiro caso, que a  supressão total ou parcial das florestas de preservação permanente fica  condicionada à obtenção de autorização do Poder Público federal, que  somente poderá ser concedida nas hipóteses de execução de obras, planos,  atividades ou projetos de utilidade pública ou de interesse social,  estes últimos definidos, respectivamente, nos incisos IV e V do artigo  1º e resoluções de cunho técnico do Conselho Nacional de Meio Ambiente  (Conama) – Resolução 369/2006 -; para o segundo, onde o objeto de  supressão é a vegetação em área de preservação permanente, caberá ao  órgão ambiental estadual (no estado de São Paulo, à Cetesb) conceder a  autorização, obtida via procedimento de licenciamento ambiental, que  somente poderá ocorrer em caso de utilidade pública ou interesse social  devidamente caracterizados e se inexistir alternativa técnica e  locacional ao empreendimento proposto.
Outra hipótese pouco explorada e que costuma gerar grandes e graves  discussões na esfera administrativa, quiçá judicial, é aquela prevista  no parágrafo 3º do artigo 4º, introduzido pela Medida Provisória  2.166-67/2001. De acordo com esta norma, o órgão ambiental competente  pode autorizar supressões eventuais e de baixo impacto ambiental em  áreas de preservação permanente, cabendo ao Poder Executivo estadual  definir, por meio da edição de um regulamento, a abrangência e extensão  destes últimos conceitos.
Verifica-se, inicialmente, a necessidade da concorrência de dois  determinantes (eventualidade e baixo impacto ambiental) nas hipóteses em  que a intervenção humana exija a supressão de vegetação da área de  preservação permanente, podendo-se da mesma forma concluir que, caso  inexista a necessidade de supressão, algo que irá ocorrer quando a área  de preservação ambiental já se encontrar tecnicamente degradada, o único  requisito a ser observado, por decorrência lógica, será o baixo impacto  ambiental que a intervenção poderá acarretar.
No estado de São Paulo, a regulamentação prevista no supracitado  artigo de lei se deu por meio do Decreto Estadual 49.566/2005, onde se  define a intervenção de baixo impacto ambiental em área de preservação  permanente como sendo a execução de atividades ou empreendimentos que,  considerados sua dimensão e localização e levando-se em conta a  tipologia e a função ambiental da vegetação objeto de intervenção, bem  como a situação do entorno, não acarretem alteração adversas,  significativas e permanentes, nas condições ambientais da área onde se  inserem (artigo 1º, caput).
Logo em seguida, no parágrafo único de seu artigo 1º, estabelece, em numerus clausus,  as hipóteses em que a intervenção humana poderá ser considerada de  baixo impacto ambiental, quais sejam: (i) uso e ocupação de áreas  desprovidas de vegetação nativa; (ii) supressão total ou parcial de  vegetação nativa no estágio pioneiro de regeneração; e (iii) corte de  árvores isoladas, nativas ou exóticas. Notadamente, os incisos I e II  tratam dos casos onde a área de preservação ambiental a ser explorada  encontra-se tecnicamente desmatada, isto é, desprovida de mata de  vegetação primária ou secundária em médio ou avançado estágio de  regeneração. São hipóteses onde, por decorrência lógica, só é exigido o  cumprimento do requisito do baixo impacto ambiental. O inciso III, por  sua vez, trata do típico caso de supressão de vegetação descrito pelo  Código Florestal, isto é, eventual e de baixo impacto  ambiental.
Em seu artigo 3º e incisos, o regulamento estadual oferece um rol  de atividades que, em tese, adequar-se-iam aos requisitos legais para o  licenciamento ambiental, tais como (i) as pequenas travessias de corpos  d’água; (ii) a implantação, reforma e manutenção de tanques, açudes,  bebedouros e barramentos; (iii) a manutenção de obras essenciais de  infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte,  saneamento e energia; (iv) rampas de lançamento de barcos, ancoradouros e  demais miúdas e pequenas estruturas de apoio às embarcações; (v) a  instalação de equipamentos para captação e condução de água; (vi) cercas  de divisas de propriedades; e (vii) o acesso de pessoas e animais aos  cursos d’água, lagoas, lagos e represas, para obtenção de água, desde  que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a  longo prazo da vegetação nativa.
Mas tal rol é meramente exemplificativo, podendo/devendo outras  atividades, desde que obedeçam aos critérios legais (no caso de  supressão, eventualidade e baixo impacto; se não houver necessidade de  supressão, somente baixo impacto), ser reconhecidas como providas desta  qualidade pelo órgão administrativo competente. Assim, por exemplo,  edificações residenciais, comerciais ou industriais que fossem  projetadas em áreas de preservação ambiental permanente em terrenos  desprovidos de vegetação nativa (próximos a cursos d’água, que há muito  tiveram sua mata ciliar suprimida ou mitigada), e desde que adotassem  medidas técnicas que pudessem possibilitar o mínimo impacto ambiental  (tal como a previsão de armazenamento total dos efluentes sanitários em  fossas sépticas), seriam passíveis de implantação.
Neste ponto, onde as hipóteses legais principais foram descritas e  minuciosamente explicadas, remanescem ainda alguns outros casos em que,  sob o primeiro crivo, existiria violação literal e direta às disposições  não só do Código Florestal brasileiro, como também de nossa Lei Maior.  De fato, a grande massa de tais intervenções mereceria a efetiva coerção  do Poder Público, eis que o arrefecimento na proteção ao meio ambiente  poderia causar inestimável prejuízo à humanidade. Mas, incrustado no  canto relevado às exceções, existem intervenções que, não obstante o  impacto ambiental causado inicialmente, mostraram-se, com o passar dos  anos, plenamente sustentáveis, contribuindo, inclusive, não só com a  geração de riquezas patrimoniais, mas também com a preservação e  fortalecimento dos recursos naturais em seu entorno.
Em tais hipóteses, não obstante inexista a possibilidade em se  falar em direito adquirido ou em decadência do direito à proteção ao  meio ambiente, a interpretação sistemática de nossa ordem jurídica  permite a manutenção da intervenção humana - havendo, inclusive,  precedentes judiciais nesse sentido (1. TJ-RS. Ap. Cível 70024443103,  Rel. Des. Genaro José Baroni Borges. DOE 24/07/2008; 2. 4ª Vara Federal  de Ribeirão Preto. Processo 0011672-42.2002.4.03.6102. Juiz Augusto  Martinez Perez. DOE 17/12/2009) -, pois, como já suscitado alhures,  nenhum princípio, ainda que tenha o título de fundamental, possui a  prerrogativa do império absoluto, ou seja, a depender das circunstâncias  apresentadas, poderá/deverá ceder condicionalmente a sua posição, sob  pena de não se ver concretizada a vontade emanada da interpretação  sistemática de nossa ordem jurídica.
Deste modo, nos casos semelhantes à hipótese anteriormente  descrita, deve-se levar em consideração, por exemplo, os efeitos  benéficos que uma possível ação do Poder Público (ordem de demolição da  edificação) poderia trazer à área em análise: se a conclusão for a de  que tal providência poderá recuperar o meio ambiente afetado, dever-se-á  dar prosseguimento aos meios coercitivos de que dispõe o Estado;  todavia, se a conclusão for diversa, isto é, caso se entenda que o óbice  a ser imposto pelo Estado pouco ou nada contribuirá – ou, às vezes, até  mesmo atrapalhará – para a reconstituição da área afetada e/ou  preservação de seus entornos, a situação deverá ser convalidada pelo  Poder Público, sob o fundamento dos princípios constitucionais da  razoabilidade e proporcionalidade.
Finalmente, às vésperas da aprovação do texto do Novo Código  Florestal Brasileiro, esperamos que as reformas a serem promovidas levem  em consideração as matérias aqui abordadas, proporcionando soluções  mais harmoniosas em relação ao polêmico tema da chamada “legalização” da  exploração “ilegal” das áreas de preservação permanente - e  especialmente no que se refere à exploração econômica de áreas que  margeiam cursos d’água -, sempre condizentes com o conceito de  sustentabilidade ambiental e, ao mesmo tempo, coerentes com a realidade  socioeconômica vivida em nosso país.
Fonte: Consultor Jurídico
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