quarta-feira, 11 de maio de 2011

As pegadinhas de Rebelo e os desmatadores

Em seu período de atuação parlamentar, a ex-senadora e ex-candidata a presidente da república Marina Silva teve atuação essencial na frente de combate ao desmonte da legislação ambiental. Propostas pela bancada ruralista, as alterações na legislação vigente incluem anistia a desmatadores e diminuição das áreas de proteção permanente. Confira as declarações de Marina em entrevista concedida ao Outras Palavras logo após o anúncio do adiamento da votação, em 4 de maio.

Outras Palavras: A senhora foi uma parlamentar histórica nas lutas contra as tentativas anteriores de retrocesso no Código Florestal. Qual diferença entre aqueles momentos e o atual?

Marina: Acho que uma coisa que foi e está sendo interessante nesse processo é que, com o avanço dos meios modernos de comunicação, a mobilização da sociedade se ampliou de uma forma significativa. Na mobilização que nós fizemos contra o relatório do deputado Micheletto (PMDB – PR) já houve uma participação grande pela internet, mas a maior parte das pessoas ainda se manifestavam pelo telefone. Nesta agora a gente tem uma facilidade enorme de envolver pessoas, personalidades, segmentos dos mais variados campos da sociedade brasileira em favor da causa do Código Florestal.

Outra diferença é a perda de uma base parlamentar que tenha um compromisso histórico com uma agenda voltada para as questões sociais. Antigamente, a gente conseguiu mobilizar PT, PSB, PPS, vários partidos nessa direção. Hoje, isso já é mais difícil: é só você verificar que, como partidos, estão contra os retrocessos apenas PV e PSOL. Os demais, ou estavam divididos ou estavam apoiando – mas com algum tipo de limitação, como é o caso do PT, obviamente, pelo fato de ser da base do governo. Mas mesmo os partidos como PPS e PSB não conseguiram fechar uma posição a favor do Código Florestal, coisa que a gente conseguiu na mobilização passada.

Outras Palavras: E apesar dos 399 votos a favor da urgência que foi votada ontem, o Código Florestal acabou não sendo votado. Por que? Qual foi o movimento político que proporcionou isso?

Marina: Bem, foram vários movimentos políticos para chegar a esse resultado. O fundamental foi a sustentabilidade política que a sociedade deu para o adiamento. Sem o olhar crítico da sociedade e dos meios de comunicação para essa votação açodada, em cima de um texto em que não havia consenso, cheio de pegadinhas e retrocessos, talvez não se tivesse conseguido esse adiamento. Obviamente, um conjunto de negociações foram feitas: desde conversar com o ministro Palocci, com o presidente da casa (Marco Maia, PT-RS), com os partidos que estavam divididos e não contavam com a maioria de seus parlamentares colocados na mesma posição.

Mas o fundamental foi a sustentabilidade política que a sociedade brasileira deu. Pessoas como Marcelo Tas, Gisele Bündchen, jornalistas, a comunidade científica, a própria Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências, os pequenos agricultores que não se deixaram usar pelos que querem fazer as flexibilizações usando-os como escudo para seus interesses de retrocesso na legislação ambiental, tudo isso deu sustentabilidade política para esse adiamento.

Outras Palavras: E quanto às alterações que o Aldo propôs para o seu próprio relatório, ou pelo menos prometeu? Qual sua avaliação?

Marina: Uma coisa é o que se diz resolvido; outra é como isso se traduzirá no texto. Agora, como conquistamos o adiamento, espero que seja possível negociar de fato uma lei que evite os retrocessos na questão da reserva legal, das áreas de preservação permanente, da anistia para os desmatadores e que a gente consiga tirar as pegadinhas que estavam na versão anterior. A expectativa é que agora se tenha um texto à altura do que as florestas brasileiras merecem: uma política global para elas. Uma política que inclua incentivos, pagamento por serviços ambientais, assistência técnica para que os produtores possam recuperar suas áreas de preservação permanente, para que possam ter os meios para o manejo adequado da reserva legal. Enfim: agora é o desafio dessa política global.

Outras Palavras: Você poderia dar alguns exemplos, para qualificar a opinião pública, destas pegadinhas que estão inscritas nesse texto do Aldo?

Marina: Uma das pegadinhas é quando ele cria o artifício para que os agropecuaristas não precisem mais respeitar as legislação ambiental e possam desenvolver suas atividades nas áreas que deveriam ser preservadas com vegetação nativa, como por exemplo na beira dos rios, nas áreas íngremes e topos de morro. Ele faz isso ao propor que a produção agropecuária seja considerada de interesse social e que, por essa razão, seja uma das exceções previstas no Código Florestal, em que poderá ser feita a substituição da vegetação original. E propõe ainda que essa exceção possa ser feita pelo poder executivo em todos os níveis (federal, estadual e municipal). Além disso, abre a possibilidade para que todos eles possam também emitir autorizações para novos desmatamentos. Agora imagine o impacto de mais de 5 mil prefeitos autorizando desmatamentos e legalizando situações de ocupação ilegal de áreas de proteção ambiental em todo o país!
Outro exemplo é quando propõe que a vegetação ciliar que protege os rios seja recomposta em apenas uma faixa de 15 metros, enquanto que a lei atual propõe que sejam recuperados duas faixas de 30 metros, uma em cada margem do rio. Mas na prática ele propõe uma redução de 30 para 7,5 metros em cada margem, diminuindo sobremaneira a proteção dos rios contra o assoreamento e o carreamento de agrotóxicos e a proteção das populações contra as inundações.

Outras Palavras: Visto que essas pegadinhas estão espalhadas pelo relatório, qual é o papel do governo no combate a mais desmatamento e degradação?

Marina: O ministro Antonio Palocci afirmou, em conversa comigo, que agora há possibilidade de conseguir um texto negociado. Espero que o deputado Aldo esteja aberto para essa construção. Isso envolve o olhar do governo, o dos setores com os quais ele já estava dialogando, mas também os demais setores: as ponderações da comunidade científica, as contribuições do movimento socioambiental, dos pequenos agricultores (que não estão exigindo e nem pedindo essa questão da supressão da reserva legal em até 4 módulos fiscais)…
O que querem são os meios para poder cumprir a legislação nas pequenas propriedades, até porque ela tem uma função econômica, ambiental e cultural, e eles não gostariam de perder essa função, desempenhada pelas reservas legais e pelas áreas de preservação permanente.

Outras Palavras: As tentativas de retrocesso no Código têm ocorrido periodicamente, nos últimos quinze anos, e sempre mal sucedidas. Qual foi o papel da sociedade civil nessa história e, agora, o que os cidadãos comuns podem fazer para ajudar a barrar esse retrocesso na legislação ambiental?

Marina: Sem dúvida, a sociedade impediu que esse retrocesso tivesse acontecido há quinze anos. Esse é um assunto que atravessou oito anos do presidente Fernando Henrique, oito anos do presidente Lula e agora caminha para um possível desfecho. Espero que seja o melhor desfecho para um tema com esta importância e magnitude. Afinal de contas, são praticamente 16 anos de embate sobre uma questão em que deveríamos ter o diálogo e o debate. Espero que sejamos capazes de debater, dialogar e compreender que o Código Florestal não pode ser mudado para diminuir a proteção das florestas. Que ele pode ser aperfeiçoado para ampliar a proteção, o uso sustentável e a função que as matas desempenham na questão dos serviços ambientais, na proteção da nossa biodiversidade e na própria agricultura. É bom lembrar que o prejuízo da perda da cobertura vegetal não é só ambiental: é também econômico, porque ao alterar o regime de chuvas, ao alterar o microclima, isso gera um prejuízo sobre a produção agrícola em si.

O que pode fazer agora o cidadão comum é continuar se mobilizando, atento, acompanhando essa discussão, dando sustentação para o avanço e interditando o retrocesso. Hoje temos uma sociedade muito mais consciente, muito mais mobilizada, do que nós tínhamos dezesseis anos atrás.

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